MODERNISMO - Segunda fase
Nesse período as
conquistas da geração modernista de 22 já se encontram consolidadas. É preciso, mais do
que digeri-las, também ressignificá-las, sobretudo em um mundo de repentina
maior complexidade, ditado por um contexto de apreensão e perplexidade mediante
um contexto beligerante nunca antes visto, nas proporções que por fim tomou e
que não refrearam no período entre guerras.
O mundo é ditado, agora,
por uma atmosfera de pessimismo quanto aos rumos da humanidade, mas também pela
necessidade de compreensão, de maior envolvimento social. Essas demandas também
nortearão o olhar de toda uma safra de escritores a um cenário novo em nossa
literatura: o Nordeste, suas agruras e suas sofridas personagens. Eis os balizadores
que nortearão a visão modernista da segunda geração. Sua produção é bastante
fecunda tanto em prosa quanto em poesia.
Recebendo como herança todas as
conquistas da geração de 1922, a segunda fase do Modernismo brasileiro
se estende de 1930 a 1945.
Período extremamente rico tanto em
termos de produção poética quanto de prosa, reflete um conturbado
momento histórico: no plano internacional, vive-se a depressão
econômica, o avanço do nazifascismo e a II Guerra Mundial; no plano
interno, Getúlio Vargas ascende ao poder e se consolida como ditador, no
Estado Novo. Assim, a par das pesquisas estéticas, o universo temático
se amplia, incorporando preocupações relativas ao destino dos homens e
ao "estar-no-mundo".
Em 1945, ano do fim da guerra, das
explosões atômicas, da criação da ONU e, no plano nacional, da derrubada
de Getúlio Vargas, abre-se um novo período na história literária do
Brasil.
Resultado da bomba atômica
Momento histórico
O período que vai de 1930 a 1945
talvez tenha testemunhado as maiores transformações ocorridas neste
século. A década de 1930 começa sob o forte impacto da crise iniciada
com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, seguida pelo colapso do
sistema financeiro internacional: é a Grande Depressão, caracterizada
por paralisações de fábricas, rupturas nas relações comerciais,
falências bancárias, altíssimo índice de desemprego, fome e miséria
generalizadas. Assim, cada país procura solucionar internamente a crise,
mediante a intervenção do Estado na organização econômica. Ao mesmo
tempo, a depressão leva ao agravamento das questões sociais e ao avanço
dos partidos socialistas e comunistas, provocando choques ideológicos,
principalmente com as burguesias nacionais, que passam a defender um
Estado autoritário, pautado por um nacionalismo conservador, por um
militarismo crescente c por uma postura anticomunista e antiparlamentar -
ou seja, um Estado fascista. É o que ocorre na Itália de Mussolini, na
Alemanha de Hitler, na Espanha de Franco e no Portugal de Salazar.
O desenvolvimento do nazifascismo e de
sua vocação expansionista, o crescente militarismo e armamentismo,
somados às frustrações geradas pelas derrotas na I Guerra Mundial: este
é, em linhas gerais, o quadro que levaria o mundo à II Guerra Mundial (
1939-1945) e ao horror atômico de Hiroshima e Nagasaki (agosto de 1945).
No Brasil, 1930 marca o ponto máximo
do processo revolucionário estudado nos dois capítulos anteriores, ou
seja, é o fim da República Velha, do domínio das velhas oligarquias
ligadas ao café e o início do longo período em que Vargas permaneceu no
poder.
A eleição de 1° de março de 1930 para a
sucessão de Washington Luís representava a disputa entre o candidato
Getúlio Vargas, em nome da Aliança Liberal, que reunia Minas Gerais, Rio
Grande do Sul e Paraíba, e o candidato oficial Júlio Prestes, paulista,
que contava com o apoio das demais unidades da Federação. O resultado
da eleição foi favorável a Júlio Prestes; entretanto, entre a eleição e a
posse, que se daria em novembro, estoura a Revolução de 30, em 3 de
outubro, ao mesmo tempo que a economia cafeeira sente os primeiros
efeitos da crise econômica mundial.
Júlio Prestes
A Revolução de 30, que levou Getúlio
Vargas a um governo provisório, contava com o apoio da burguesia
industrial, dos setores médios e dos tenentes responsáveis pelas
revoltas na década de 1920 (exceção feita a Luís Carlos Prestes, que, no
exílio, havia optado claramente pelo comunismo). Desenvolve-se, assim,
uma política de incentivo à industrialização e à entrada de capital
norte-americano, em substituição ao capital inglês.
Uma tentativa contra-revolucionária
partiu de São Paulo, em 1932, como resultado da frustração dos paulistas
com a Revolução de 30: a oligarquia cafeeira sentia-se prejudicada pela
política econômica de Vargas; as classes médias e a burguesia temiam as
agitações sociais; e, para coroar o descontentamento, Vargas havia
nomeado um interventor pernambucano para São Paulo. A chamada Revolução
Constitucionalista explodiu em 9 de julho, mas não logrou êxito. Se
Guilherme de Almeida foi o poeta da Revolução paulista, tendo produzido
vários textos ufanistas, Oswald de Andrade foi seu romancista crítico,
como atesta seu livro Marco zero - a revolução melancólica.
Ainda em 32, a ideologia fascista encontra ressonância no nacionalismo exacerbado do Grupo Verde-Amarelo, liderado por Plínio Salgado, fundador da Ação Integralista Brasileira. Ao mesmo tempo crescem no Brasil as forças de esquerda. Em 1934, elas formam uma frente única: a ANL - Aliança Nacional Libertadora. Tornam-se frequentes os choques entre a extrema-direita e os membros da ANL, até que o governo federal manda fechá-la, por "atividade subversiva de ordem política e social", em julho de 1935. Entretanto, na clandestinidade, a ANL tenta uma revolução, em novembro desse mesmo ano, "contra o imperialismo e o fascismo" e "por um governo popular nacional revolucionário". Os revoltosos previam uma rebelião militar imediatamente acompanhada por revoltas populares, mas o movimento não foi além de três unidades militares, logo derrotadas; milhares de pessoas foram aprisionadas, e o governo obteve um pretexto para endurecer o regime.
Getúlio Vargas, auxiliado pelos
integralistas, inicia sua ditadura em 10 de novembro de 1937. O chamado
Estado Novo será um longo período antidemocrático, anticomunista,
baseado num nacionalismo conservador e na idolatria de um chefe único:
Getúlio Vargas. Essa situação se prolongará até 29 de outubro de 1945,
quando, pressionado, Getúlio renuncia.
Diante desses significativos
acontecimentos, Carlos Drummond de Andrade publica, em 1945, um poema
intitulado "Nosso tempo", que revela o estado de ânimo da parcela mais
consciente da sociedade:
"Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.
(...)"
Características
A poesia da segunda fase do Modernismo
representa um amadurecimento e um aprofundamento das conquistas da
geração de 1922: é possível perceber a influência exercida por Mário e
Oswald de Andrade sobre os jovens que iniciaram sua produção poética
após a realização da Semana. Lembramos, a propósito, que Carlos Drummond
de Andrade dedicou seu livro de estréia, Alguma poesia (1930), a Mário
de Andrade. Murilo Mendes, com seu livro História do Brasil, seguiu a
trilha aberta por Oswald, repensando nossa história com muito humor e
ironia, como ilustra o poema "Festa familiar":
"Em outubro de 1930
Nós fizemos - que animação!
Um pic-nic com carabinas."
Formalmente, os novos poetas continuam
a pesquisa estética iniciada na década anterior, cultivando o verso
livre e a poesia sintética, de que é exemplo ó poema "Cota zero", de
Drummond:
"Stop. A vida parou
ou foi o automóvel'?"
Entretanto, é na temática que se
percebe uma nova postura artística: passa-se a questionar a realidade
com mais vigor e, fato extremamente importante, o artista passa a se
questionar como indivíduo e como artista em sua "tentativa de explorar e
de interpretar o estar no mundo". O resultado é uma literatura mais
construtiva e mais politizada, que não quer e não pode se afastar das
profundas transformações ocorridas nesse período; daí também o
surgimento de uma corrente mais voltada para o espiritualismo e o
intimismo, caso de Cecília Meireles, de Jorge de Lima, de Vinícius de Moraes e de Murilo Mendes em determinada fase.
Jorge de Lima
É um tempo de definições, de
compromissos, do aprofundamento das relações entre o "eu" e o mundo,
mesmo com a consciência da fragilidade do "eu". Observemos três momentos
de Carlos Drummond de Andrade em seu livro Sentimento do mundo (o
título é significativo), com poesias escritas entre 1935 e 1940:
"Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo"
Mais adiante, em verdadeira profissão de fé, declara:
"Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo, por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos."
Essa consciência de ter "apenas" duas
mãos e de o mundo ser tão grande, longe de significar derrotismo, abre
como perspectiva única para enfrentar esses tempos difíceis a união, as
soluções coletivas:
"O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas."
A produção desses autores
abrange tanto as típicas experiências estéticas modernistas quanto a liberdade
de, inclusive, retomar modelos tradicionais.
Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?
Nesse poema, vemos
nitidamente a incorporação de valores estéticos de 22, acrescidos do
questionamento à modernidade e seus valores culturais e à própria condição
humana diante dela, numa expressão de síntese soberba.
Soneto
do amor total (Vinícius
de Moraes)
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo
amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho,
simplesmenteE te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito
e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Aqui é bastante visível a
revisita a um dos mais clássicos modelos de versificação, num poema metrificado
e com temática bastante afim à tradição lírica. E é também lirismo profundo o
que permeia a poética de Cecília Meireles, entre a memória histórica e as
reflexões sobre a fugacidade do tempo.
Em meio à riqueza de
formas e conteúdos, os poetas de 30 convivem com a perplexidade de um mundo que
se embruteceu e, até por isso, precisa de poesia, precisa de flores que ousem
brotar no asfalto da cinzenta realidade.
Há ainda o espaço para
uma poesia de religiosidade, de cunho católico, e apelo metafísico em Jorge de
Lima e Murilo Mendes, competindo ao último ainda a experimentação surrealista
em nossa literatura. Aos dois poetas, também
coube a típica invencionice modernista e o registro de seu tempo.
É na prosa que essa
geração vai instituir a grande novidade em nossa literatura, ao nos apresentar
um protagonismo a partir daí, permanentemente, presente na cultura brasileira:
o da figura do nordestino sofrido, em meio às agruras da seca, aos desmandos
sociais.
Retirantes - Portinari
São romances caracterizados pela denúncia
social. Houve grande interesse por temas nacionais, uma linguagem mais
brasileira com um enfoque mais direto dos fatos, aproximando-se de
procedimentos do Realismo-Naturalismo. Na prosa, atingiu-se elevado grau de
tensão nas relações do "eu" com o mundo; é o encontro do escritor com
seu povo. Havia uma busca do homem brasileiro nas várias regiões, por isso, o
regionalismo ganhou importância, com destaque às relações da personagem com o
meio natural e social (seca, migração, problemas do trabalhador rural, miséria,
ignorância).
Além do regionalismo, destacaram-se também
outras temáticas como o romance urbano e psicológico, o romance
poético-metafísico e a narrativa surrealista.
Refletindo as preocupações sociais e políticas
que agitavam o Brasil na época, desenvolveu-se um tipo de ficção que encaminhou
para o documentário social e romance político. A publicação, em 1928, de A
bagaceira, de José Américo de Almeida, costuma ser indicada como marco
inicial dessa série de obras cuja intenção básica foi a denúncia dos problemas
sociais econômicos do nordeste, dos dramas dos retirantes das secas e da
exploração do homem num sistema social injusto.
O grande marco dessa
safra de romances, possivelmente, seja a obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, publicada no ano de 1938. No
livro, deparamos com a família de retirantes formada por Fabiano, Sinhá
Vitória, seus dois filhos e a tão humana cadela Baleia. A linguagem objetiva do romance parece metaforizar a
própria ressequidão daquele ambiente.
Os principais romancistas
de 30 são:
Graciliano Ramos
José Lins do Rego
Rachel de Queiroz
Jorge Amado
Érico Veríssimo
Graciliano Ramos
José Lins do Rego
Rachel de Queiroz
Jorge Amado
Érico Veríssimo
Jorge Amado, por sua vez, criou
imortais personagens e tipos em sua amada Bahia literária, por meio de uma
linguagem bastante acessível.
José Lins do Rego nos apresenta seus
romances do ciclo da cana de açúcar. Escritos
em primeira pessoa, estes romances retratam literalmente a crise de tradição e
a necessidade de modernização, a transformação do Engenho em usina.
Rachel de Queiroz,
primeira mulher a compor a Academia Brasileira de Letras, além da denúncia
social, dá vez à análise psicológica em sua obra.